O processo de fabrico das cervejas consiste numa sequência de passos ou etapas gerais, independentes da escala de produção, do estilo e tipo de cerveja pretendido.
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Moagem
Nesta etapa os grãos de malte são moídos num moinho de martelos até se obter uma farinha grosseira (o grist) da qual também fazem parte as cascas do cereal. A moagem tem por objetivo reduzir o tamanho dos grãos e assim aumentar a superfície de contacto entre o malte e a água. Desta forma facilita-se a extração e a conversão enzimática dos componentes do malte que ocorrem durante a operação seguinte de empastagem (FERNANDES, 2015). Após a moagem é feita a pesagem da quantidade de grist a utilizar no processo. Os cereais não maltados são habitualmente aprovisionados com um grau de moagem adequado (UNICER, 2016d), estando em condições de serem utilizados após pesagem. Mas se tal não se verificar, são também sujeitos nesta fase a uma operação de redução de tamanho. Brassagem A operação de brassagem engloba as transformações que ocorrem quer na caldeira de empastagem quer na caldeira de caldas (BOAVENTURA, 2009). Na caldeira de caldas, os cereais adjuntos são despejados e misturados com água quente (até 100ºC) e uma fração de malte. A temperatura da água deve ser suficiente para favorecer a gelatinização dos amidos. A adição de malte tem por objetivo fornecer as enzimas necessárias para decompor as cadeias de amido dos cereais adjuntos (BOAVENTURA, 2009). Na caldeira de empastagem, o malte moído é despejado e hidratado mediante a adição de água quente, e misturado com conteúdo transferido da caldeira de caldas (BOAVENTURA, 2009). O movimento lento das pás da caldeira de empastagem vai favorecer a extração e a ativação das enzimas do malte (formadas durante a maltagem) e o consequente desdobramento das moléculas de amido e de proteínas noutras mais simples, nomeadamente açúcares e aminoácidos (FERNANDES, 2015), que serão utilizadas no metabolismo fermentativo das leveduras. O modo como ocorre o ataque enzimático nesta operação vai ditar se é possível ou não a obtenção de um extrato com características adequadas para a produção de cerveja. É importante assegurar uma rápida e completa sacarificação dos amidos procedendo-se ao controlo da temperatura, do pH e do tempo da operação. No final da brassagem, obtém-se um xarope com tons alaranjados e sabor doce, denominado mosto (UNICER, 2016d). Filtração Em suspensão no mosto encontra-se uma fase sólida (dreche) constituída por cascas de grãos, outras partículas sólidas, proteínas e lípidos, que deve ser removida por filtração para se evitarem problemas na fermentação e prejudicar a qualidade da cerveja produzida (HESPANHOL, 2010). Nesta operação é utilizado um filtro prensa ou uma cuba filtrante, no entanto as próprias cascas do malte auxiliam o processo ao atuarem como um coador natural. No final desta etapa, a fase sólida é passada por água para que se possa recuperar alguns açúcares que tenham ficado retidos (FERNANDES, 2015). Dado a riqueza nutricional, a dreche pode ser aproveitada para produtos de alimentação humana e animal (HESPANHOL, 2010). Ebulição Ao mosto diluído e filtrado é depois fervido numa caldeira de ebulição. O calor e a evaporação concentram e amplificam os sabores do mosto, inativam enzimas ativadas nas fases anteriores, e eliminam microrganismos indesejáveis capazes de interferir na operação de fermentação. É também nesta fase que é adicionado o lúpulo. Os lúpulos amargos (mais ricos em resinas) são adicionados durante o processo com o objetivo de conferirem amargor; auxiliarem a esterilizar, conservar e clarificar o mosto; e favorecerem a formação de espumas na cerveja. Por ação do calor os seus componentes são solubilizados, em particular os α-ácidos que sofrem isomerização formando iso-α-ácidos que, na cerveja, são os principais compostos responsáveis pelo amargor característico. A reação das proteínas presentes no mosto com os polifenóis do lúpulo (e do malte) leva à formação de grandes flocos que serão removidos no passo seguinte de clarificação. A coagulação de proteínas de elevado peso molecular é necessária para que, no final, a cerveja se apresente com uma aparência brilhante e sabor adequado. No entanto, não deve ser excessiva já que algumas proteínas são importantes para a formação e retenção da espuma da cerveja e, no caso das que apresentam mais baixo peso molecular, são alimento para as leveduras na operação de fermentação. Os lúpulos aromáticos são adicionados minutos antes de a caldeira ser desligada para se evitar a completa volatilização dos óleos constituintes, responsáveis pelos aromas pretendidos na cerveja (FERNANDES, 2015). Clarificação do mosto A clarificação é a etapa responsável por tornar o mosto num líquido límpido, livre de matérias em suspensão, que iriam causar efeitos negativos na fermentação e conferir caraterísticas indesejadas à cerveja (RODRIGUES S. C., 2011). Nestas matérias incluem-se os resíduos de lúpulo e de malte e as proteínas coaguladas (trub) (FERNANDES, 2015). A clarificação do mosto é realizada num tanque whirlpool pela ação da força centrípeta. Arrefecimento Antes de entrar nas cubas de fermentação, o mosto lupulado é arrefecido em permutadores de calor e transferido para tanques de propagação onde é oxigenado em condições estéreis para que seja favorecido o crescimento e desenvolvimento da levedura que lhe vai ser adicionada (UNICER, 2016d). O correto controlo da oxigenação do mosto frio é fundamental para se evitar problemas ao nível do aroma e sabor do produto final. A oxigenação pode ser efetuada com oxigénio ou com ar, consoante a geração da levedura que se vai utilizar no processo. Nesta etapa é também efetuada a correção do extrato primitivo do mosto caso o seu valor não se encontre dentro dos limites previamente estipulados (RODRIGUES S. C., 2011). Sementeira e fermentação Ao mosto arrefecido e saturado em oxigénio é adicionado uma cultura de levedura previamente selecionada, sendo a operação conhecida como sementeira. A cultura selecionada e a quantidade dependem do estilo de cerveja que se pretende produzir (FERNANDES, 2015). A seleção da levedura tem em conta importantes parâmetros, como a atenuação que se refere à capacidade da levedura em fermentar os açúcares do mosto, a floculência que como o próprio nome indica diz respeito à capacidade de formar aglomerados e sedimentar, a velocidade de multiplicação da levedura e, por último, a produção de aromáticos. A levedura escolhida é inicialmente propagada a nível laboratorial a partir de uma pequena amostra, e depois semeada nos tanques de propagação contendo o mosto (FERNANDES F. A., 2012). A quantidade de levedura a semear deve ser a mais precisa possível, para que sejam evitados problemas como autólises e contaminações das células de levedura, fermentações mal conduzidas, e a geração de aromas inconvenientes (RODRIGUES S. C., 2011). Após a sementeira, o mosto contido nos tanques de propagação é enviado para cubas cilindro-cónicas onde decorre a fermentação. Passado cerca de uma hora, o mosto em repouso entra em convulsão, dando-se início à operação de fermentação. Na fermentação, as leveduras alimentam-se dos açúcares do mosto, transformando-os em álcool, dióxido de carbono, voláteis e libertando energia térmica. O aumento de temperatura verificado obriga a utilização de sistemas de refrigeração de modo a manter a atividade fermentativa das leveduras. No final da operação, o mosto que ainda contém uma pequena quantidade de açúcares, passa a denominar-se por “cerveja verde” (FERNANDES E. , 2015). A levedura é depois recuperada e reutilizada, geralmente até um máximo de sete gerações. Também o dióxido de carbono produzido é recuperado, limpo e armazenado em estado líquido para posterior utilização na carbonatação da cerveja, na contrapressão de tanques, nas enchedoras ou barris (FERNANDES F. A., 2012). Maturação e estabilização A maturação corresponde à operação pela qual a “cerveja verde” é mantida em repouso a temperaturas controladas durante um período que pode abranger semanas, meses ou anos, dependendo do estilo de cerveja, da cultura de levedura, entre outras variáveis. Pretende-se com a maturação que haja uma remoção de compostos voláteis resultantes do metabolismo da levedura que podem comprometer o aroma e sabor desejado da cerveja (FERNANDES E. , 2015). Nestes compostos voláteis incluem-se cetonas (e.g. diacetilo), aldeídos e compostos de enxofre. A manutenção da cerveja a temperaturas entre 0 e -2ºC permite que esta estabilize coloidalmente (UNICER, 2016d), ou seja adquira e preserve as características finais pretendidas, nomeadamente a aparência, o aroma e o sabor. Pretende-se na etapa de estabilização a frio, a eliminação das substâncias (coloides) que provocam o aparecimento de turvações na cerveja. É o caso das proteínas ricas em prolina e dos polifenóis provenientes do malte que, àquelas temperaturas, aglomeram-se e precipitam, depositando-se no fundo do tanque de fermentação (BOAVENTURA, 2009). Clarificação da cerveja A cerveja maturada e estabilizada é submetida a uma operação de clarificação por filtração, de modo que sejam eliminados os elementos em suspensão que provocam turvação na bebida (UNICER, 2016d), nomeadamente células de levedura e os complexos de tanino-proteicos precipitados durante a etapa de estabilização coloidal. Este passo não é realizado na produção de cervejas do estilo Lambic (de fermentação espontânea) ou de cervejas de refermentação em garrafa (FERNANDES E. , 2015). Nesta operação, a cerveja turva percorre um conjunto de equipamentos de uma linha de filtração até ser transformada em cerveja límpida. Ao sair das cubas cilindro-cónicas onde ocorreram as etapas de fermentação, maturação e estabilização, a cerveja inicia o seu percurso na linha de filtração com uma operação de centrifugação para que sejam removidos restos de levedura em suspensão e, desta forma, facilitar a filtração. O elemento seguinte da linha corresponde ao filtro de kieselguhr, que é constituído por placas (verticais ou horizontais) sobre as quais é previamente depositada uma suspensão de um meio filtrante, o kieselguhr (ou terra de diatomáceas). A suspensão de kieselghur corresponde a uma mistura daquele meio filtrante com água desarejada (e eventualmente carbonatada), mantida homogénea pela ação de um agitador que, em funcionamento, não deverá favorecer a incorporação de ar com intuito de evitar a dissolução de oxigénio na cerveja. Esta suspensão é alimentada ao filtro começando a depositar-se uma camada sobre as placas do filtro, dando origem ao leito filtrante ou pré-camadas. Quando a cerveja entra no filtro de kieselguhr, as proteínas e as células de levedura que ainda se encontrem em suspensão são retidas no leito filtrante, enquanto a fase filtrada prossegue para o equipamento seguinte, o filtro de placas de PVPP, cuja função é remover os polifenóis originários do lúpulo, utilizando como meio de filtração a poli-vinil-poli-pirrolidona. Este meio é adicionado à cerveja após a saída desta do filtro de kieselguhr. Após a passagem no filtro PVPP são adicionados à cerveja aditivos como o amargor (lúpulo), extrato de malte para o acerto da coloração e o KMS (metabissulfito de potássio), cuja função é captar o oxigénio que possa ter entrado na linha de filtração (RODRIGUES S. C., 2011). É também nesta altura da operação de filtração que se procede às correções do dióxido de carbono e à diluição com água, de acordo com as especificações pretendidas do produto final (FERNANDES F. A., 2012). No final da linha de filtração, a cerveja é encaminhada através de filtros Trap, com o objetivo de refinar a operação de clarificação uma vez que são filtros capazes de realizar uma filtração rigorosa e de remover todos os microrganismos da cerveja (RODRIGUES S. C., 2011). Pasteurização A cerveja clarificada segue para tanques específicos (Tanques de Cerveja Filtrada, ou TCF), onde permanece até à realização das operações de enchimento e pasteurização. Podem ocorrer duas situações: a cerveja dos TCF é conduzida para a linha de enchimento de garrafas ou latas seguindo-se a pasteurização “túnel”, ou a cerveja é primeiro submetida a uma pasteurização flash, seguindo-se o enchimento em barris (FERNANDES, 2015). Enchimento O enchimento de cervejas é feito em contrapressão com dióxido de carbono de modo a evitar-se a formação de espuma e a expulsar o oxigénio contido na embalagem, que é responsável pela deterioração do produto quer ao nível físico-químico (oxidação dos componentes) quer ao nível microbiológico (proliferação de microrganismos contaminantes). Uma vez capsuladas, as garrafas são rotuladas e colocadas em grades, caixas ou tabuleiros, e os barris tamponados, etiquetados e metidos em paletes, estando prontos para comercializar (FERNANDES F. A., 2012). |
Referências:
BOAVENTURA, J. (Março de 2009). Optimização do Processo de Filtração de Cerveja. Tese de Mestrado Integrado em Engenharia Química. Porto, Portugal: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
HESPANHOL, S. I. (2010). Optimização de Processos na Indústria Cervejeira. Tese de mestrado integrado em engenharia química.
FERNANDES, F. A. (2012). Melhoria dos indicadores microbiológicos em linhas de enchimento de cerveja em barril. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Tecnologia e Segurança Alimentar – Ramo Qualidade Alimentar.
FERNANDES, E. (2015). O livro das cervejas - Super bock. UNICER.
UNICER. (2016d). Marcas/Cervejas. Obtido em Agosto de 2015, de UNICER: http://www.unicer.pt/pt/home-pt/marcas/cervejas/historia-da-cerveja
BOAVENTURA, J. (Março de 2009). Optimização do Processo de Filtração de Cerveja. Tese de Mestrado Integrado em Engenharia Química. Porto, Portugal: Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto.
HESPANHOL, S. I. (2010). Optimização de Processos na Indústria Cervejeira. Tese de mestrado integrado em engenharia química.
FERNANDES, F. A. (2012). Melhoria dos indicadores microbiológicos em linhas de enchimento de cerveja em barril. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Tecnologia e Segurança Alimentar – Ramo Qualidade Alimentar.
FERNANDES, E. (2015). O livro das cervejas - Super bock. UNICER.
UNICER. (2016d). Marcas/Cervejas. Obtido em Agosto de 2015, de UNICER: http://www.unicer.pt/pt/home-pt/marcas/cervejas/historia-da-cerveja
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