O malte é o produto resultante do processo de maltagem de cereais, principalmente de cevada. A qualidade da cevada utilizada no fabrico de malte cervejeiro influencia diretamente a qualidade da cerveja e é dependente de diversos fatores, nomeadamente das condições edafo-climáticos da região onde é cultivada, da variedade, e do ano em que são realizados o cultivo e a colheita. Dependendo da altura do ano em que a planta da cevada (Hordeum vulgare) é cultivada podemos ter cevada cervejeira de inverno ou de primavera. A cevada de inverno é mais robusta e encorpada, tendo um ciclo de desenvolvimento mais curto que a cevada de primavera, que apresenta sabores mais doces e limpos (FERNANDES, 2015). Ambos os tipos de cevada englobam variedades que, de acordo com o modo como os grãos se distribuem na espiga, podem ser classificadas em dísticas (i.e. com duas fileiras de grãos) ou hexásticas (i.e. com seis fileiras). Os grãos de cevada dística são geralmente maiores, uniformes, e apresentam uma casca mais fina, pelo que comportam maior conteúdo útil à produção de malte e menores quantidades de compostos fenólicos e substâncias amargas. Devido à morfologia da espiga, os grãos de cevada hexástica apresentam tamanhos e formatos menos uniformes. Assim, de um modo geral, as variedades mais adequadas à produção de malte cervejeiro são as dísticas de primavera (KUNZE, 1999).
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Variedades de cevada: a) dística b) hexástica (Grover, 2014)
O grão de cevada está dividido em três partes: o gérmen, do qual nascem a plúmula, o caulículo e as radículas; o endosperma, constituído por células contendo grânulos de amido; e os revestimentos do grão, nomeadamente a testa, o pericarpo e duas camadas de casca. O endosperma encontra-se pela aleurona que consiste numa camada de células ricas em proteínas nas quais se encontram depositadas gorduras, polifenóis e substâncias corantes.
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Secção cruzada longitudinal do grão de cevada (adaptado de Kunze, 1999)
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No que respeita à composição, o grão de cevada é composto por 14-15% de humidade. No entanto, dependendo das condições de armazenamento do grão, o teor de humidade pode variar de 12% até mais de 20%. Para se garantir uma conservação a longo prazo e uma capacidade germinativa ótima é importante garantir um teor de humidade inferior a 15%. Os restantes componentes do grão de cevada, medidos na base seca correspondem a: 70-85% de hidratos de carbono, 10.5-11.5% de proteínas e aminoácidos, 2-4% de matéria inorgânica, 1.5-2% de lípidos e 1-2% de outras substâncias, nomeadamente polifenóis (taninos), vitaminas e enzimas (KUNZE, 1999).
Entre os hidratos de carbono encontram-se os amidos (50-63%); a celulose (5-6%); as hemiceluloses na forma de β-glucano (4-7%) e os açúcares (1.8-2%). Os amidos (amilose e amilopectina) e os açúcares (sacarose, glucose e frutose) encontram-se predominantemente armazenados nas células do endosperma do grão servindo como fontes energéticas para o crescimento da plântula até que esta tenha desenvolvido o seu aparelho fotossintético (KUNZE, 1999). A celulose encontra-se localizada exclusivamente na casca onde desempenha uma função estrutural. Por se tratar de uma fibra insolúvel e não degradável pelas enzimas que se formam durante a maltagem, não exerce qualquer efeito na qualidade da cerveja (KUNZE, 1999). As hemiceluloses são os principais constituintes da parede celular do endosperma e consistem em longas cadeias de monossacáridos. Entre as hemiceluloses, importa dar destaque ao β-glucano presente em maior quantidade (80-90%) e com propriedades capazes de condicionar a produção da cerveja. Em meio aquoso, as moléculas desta hemicelulose tendem a associar-se entre si por pontes de hidrogénio formando géis, que se não forem degradados enzimaticamente durante a maltagem, podem provocar problemas durante a filtração do mosto (KUNZE, 1999). A maior parte dos compostos azotados da cevada corresponde a proteínas (c.a 92%) sendo a restante fração composta por produtos derivados da sua decomposição. Embora as proteínas se encontram distribuídas um pouco por todo o grão, cerca de 30% estão localizadas nas paredes das células do endosperma desempenhando funções de transporte. Da decomposição enzimática durante a maltagem resulta uma redução da quantidade de proteínas e um aumento da quantidade de produtos de decomposição. Contrariamente às proteínas, os produtos de decomposição são solúveis em água e não precipitam durante a ebulição do mosto, podendo passar para a cerveja. Os produtos de maior peso molecular estão envolvidos na retenção da espuma e na formação de turvações na cerveja. Por outro lado, os produtos de menor peso molecular resultantes da decomposição de proteínas (aminoácidos e oligopéptidos) são nutrientes essenciais para as leveduras envolvidas na operação de fermentação (KUNZE, 1999). Entre os compostos inorgânicos presentes no grão incluem-se os fosfatos (35%), os silicatos (25%), sais de potássio (20%), e elementos traço essenciais à operação de fermentação (e.g. magnésio, zinco) (KUNZE, 1999). A cevada contém também uma série de outras substâncias que influenciam o fabrico e a qualidade da cerveja, nomeadamente polifenóis (ou taninos) e enzimas. Os polifenóis encontram-se depositados na casca e na camada de aleurona. Se não forem removidos, estes compostos (nomeadamente as antocianinas) conferem à cerveja sabores amargos desagradáveis e, na presença de produtos de decomposição de proteínas, levam ao aparecimento de turvações. Na cevada estão presentes diversas enzimas, embora em pequenas quantidades (KUNZE, 1999). Quando a cevada é recebida na maltaria, são realizados procedimentos de controlo de qualidade manuais (e.g. verificação da cor, cheiro, aspeto da casca, e presença de impurezas) e laboratoriais (e.g. calibragem, peso hectolítrico, teor de humidade, capacidade germinativa), assim como procedimentos de preparação para produção, nomeadamente remoção de impurezas/contaminantes (e.g. poeiras, areia, objetos metálicos, sementes de ervas daninhas), classificação dos grãos com base no tamanho, secagem e armazenagem até à sua utilização (KUNZE, 1999). No processo de maltagem, os grãos são submetidos a uma sequência de três operações: molha, germinação controlada e secagem. Na operação de molhagem, os grãos de cevada são colocados em contacto com água para que ocorra a sua lavagem e seja atingido o teor de humidade necessário ao início da germinação. No final da molha é percetível o aparecimento de radículas. Durante a germinação, realizada em condições controladas de humidade, temperatura e oxigénio, ocorre no gérmen e na camada de aleurona a síntese e ativação de diversas enzimas, nomeadamente amilases, peptidases e β-glucanases (KUNZE, 1999). Estas duas últimas irão atuar sobre as estruturas do endosperma responsáveis pela retenção dos amidos no seu interior, tornando-os disponíveis para o posterior desdobramento em açúcares realizado pelas amílases. Estes açúcares servirão de substrato às leveduras durante a fermentação, a partir da qual é produzida a cerveja (FERNANDES, 2015). A par das transformações bioquímicas no interior do grão, observa-se durante a germinação o crescimento das radículas e o desenvolvimento de uma plúmula debaixo da casca que, no final da operação deverá atingir um comprimento próximo ao do grão. Nessa altura, a germinação é interrompida através da secagem dos grãos. A secagem visa a redução gradual da humidade do grão (possibilitando quer a sua conservação quer a cessação da atividade enzimática) assim como o desenvolvimento de cores e aromas desejados consoante o tipo de malte que se pretende produzir (KUNZE, 1999). Como foi referido anteriormente, o malte cervejeiro é feito principalmente a partir de grãos de cevada, no entanto podem ser utilizados outros cereais maltados tais como o trigo, o centeio a aveia (FERNANDES, 2015). As razões apontadas para que a cevada seja dominante na quase totalidade da produção mundial da bebida estão ligadas às características particulares deste cereal: a sua elevada e rápida capacidade enzimática, que torna a maltagem mais simples; a elevada concentração de amido, garantia de formação de bastante açúcar; e a presença de uma quantidade moderada de proteínas (FERNANDES, 2015). Na produção do malte, os mestres de maltagem são responsáveis por selecionar os lotes de grão, assim como controlar as variáveis das etapas de germinação e secagem. Escolhendo o grau de intensidade e o tempo da secagem é possível obter diferentes tipos de malte que darão origem a diversos estilos de cerveja, com cores e características aromáticas específicas. Quanto mais intenso for o calor sofrido pelo grão, menor será a capacidade fermentativa. É frequente a utilização de vários tipos de malte. Alguns maltes torrefatos ou caramelizados são utilizados para acrescentar aromas, cor e sabor (FERNANDES, 2015). As designações atribuídas aos maltes acabam por dar o nome ao estilo e cerveja e podem ter origem nos locais onde foi utilizada uma técnica de maltado específica pela primeira vez (e.g. maltes Pilsner e Munich), aos aromas que o caracterizam (e.g. maltes Chocolate e Caramelo), ou ainda dever-se à sua cor (e.g. maltes Pale Ale e Crystal) (FERNANDES, 2015). |
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Referências:
FERNANDES, E. (2015). O livro das cervejas - Super bock. UNICER.
GROVER, C. (27 de Maio de 2014). Rise and Fall of US Barley. Obtido de The Drunk Alchemist: http://drunkalchemist.blogspot.pt/2014/05/rise-and-fall-of-us-barley.html
KUNZE, W. (1999). Technology Brewing and Malting (2.ª ed.). Berlim (Alemanha): VLB Berlin.
FERNANDES, E. (2015). O livro das cervejas - Super bock. UNICER.
GROVER, C. (27 de Maio de 2014). Rise and Fall of US Barley. Obtido de The Drunk Alchemist: http://drunkalchemist.blogspot.pt/2014/05/rise-and-fall-of-us-barley.html
KUNZE, W. (1999). Technology Brewing and Malting (2.ª ed.). Berlim (Alemanha): VLB Berlin.
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